Como toda a gente sabe, o criador e regulador do Universo, conhecido e desconhecido, descoberto e por descobrir, passado, presente e futuro, desta e de todas as outras dimensões, aquele que impede que todos os fenómenos ocorram simultaneamente mas antes que se sucedam paulatinamente, é o primordial Tempo: Cronos para os antigos, Casio para os amigos.
O seu braço direito, Minimus, representado no mundo real como um daqueles tracinhos minúsculos nos mostradores pequenos onde corre o ponteiro dos segundos, entra disparado nos exclusivos aposentos de Casio:
"Mestre...", guincha a criatura com voz de falsete, "o último dia do Ano aproxima-se!"
O Regulador Supremo, entretido a fazer anéis de fumo, engasga-se sobressaltado e, após um violento ataque de tosse e um arfar algo aflito, vira-se para o lacaio e, com esgar vingativo e voz rouca, sussurra "Ó meu idiota, mais um susto destes e corto-te o ponteiro ao meio. Irra!"
Minimus prostra-se imediatamente no chão com a barriga sobre o frio pavimento celestial, afastando os braços e pernas, com as palmas das mãos para cima e elevando os dedos médios, em sinal de profunda humilhação e arrependimento.
Casio atira a beata para o ar, que é imediatamente aspirada aleatoriamente para um qualquer Universo. Passeia-se por alguns segundos em torno do corpo inerte de Minimus e por fim pergunta-lhe: "Mas qual é a novidade, minha abécula? Milhões de vezes por nanosegundo celebra-se por todas as Dimensões o banal ritual de mais uma transição completa em torno da estrela que permite a vida àquelas bestas. Qual, e porquê, será esta tão especial ao ponto de me interromperes nos meus afazeres cósmicos?"
"Fmr?" ouve-se uma vozinha esganiçada sumida a emergir do chão.
"Não apenas 'fumar'... Inspirar, criar, planear, executar... Achas que isto é fácil? Mas vá lá, qual a crise?"
Minimus levanta-se, ajeita a túnica e pigarreia qualquer coisa acabada em Terra. Casio assume subitamente um semblante carregado: "Ui. Fosga-se..."
Começa então a dar largas e divinais passadas nos seus aposentos, de forma apressada e inquieta, denotando elevado incómodo. Imobiliza-se repentinamente e, mantendo o tronco direito e a cabeça erguida, começa a desenhar no ar movimentos amplos com os seus quatro braços.
À sua frente surgem então diversos e coloridos conjuntos de símbolos, linhas e frutos tropicais que iluminam a celestial alcova, desenhando formas de rara beleza numa dança nunca antes vista. Algumas das figuras aproximam-se entre si criando novas formas, outras retraem-se e desaparecem e alguns parecem mesmo estar a fazer coisas malandras, tal a voluptuosidade da interacção luminosa que para ali vai.
Tal dança de luz (e frutos tropicais) dura alguns momentos, até que se imobiliza e fixa no ar, com formas bem definidas. Minimus, aterrado, arregala os olhos, todos os seis.
"Cum catano!...", murmura Casio, consternado, "Detesto quando isto acontece, pá...!
"Mas... assim?", pergunta Minimus, a medo.
"É, assim... Minimus, sabes o que tens a fazer."
Minimus abandona vagarosamente o salão. Pouco depois, ouve-se um clique.
Com a cândida luminosidade de todas as cores do arco-íris, realçada aqui e ali por uma manga, um abacaxi e alguns maracujás, paira sobre a divinal cabeça de Casio a inscrição:
«Dim#7/Uni#4.800/Sis#8A9s -"Terra" : Válido até 31.12.2007»
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